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Sexta Feira, 26 de Abril de 2024

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ENTREVISTA: Da docência ao ativismo político

Professora Graciele foi a primeira pessoa da sua família a ter uma graduação em nível superior

01 de Abril de 2021 as 14h 39min

​​​​​​​Professora Graciele é atualmente a única mulher vereadora em Sinop – Foto: Assessoria

MAURÍCIO KUSTER

Acadêmico de Jornalismo

 

Graciele Marques dos Santos, mais conhecida como Professora Graciele, sempre participou de debates sociais e principalmente das questões pelas melhorias na educação. A paranaense graduada em pedagogia e mestre na área da educação, tem como principais pautas de sua gestão a defesa dos direitos das minorias e a busca pelos direitos humanos.

Antes de ser vereadora pelo PT, Graciele já atuava como professora e pesquisadora na área da educação. Agora, eleita vereadora de Sinop, é a única mulher na Câmara dos Vereadores, sendo símbolo de luta e resistência no Norte de Mato grosso, região conhecida por manter costumes e tradições, inclusive as políticas.

 

Diário do Estado: Graciele, a senhora veio de uma cidade muito pequena no Oeste do Paraná, que para se ter recurso, se desenvolver é necessário buscar em outros lugares. Como foi sua criação nessa cidadezinha?

Professora Graciele: A minha família trabalhava em lavoura lá, meu pai, minha mãe, pessoas que tiveram o ensino fundamental incompleto. Eles estudaram até a terceira ou quarta série e vieram para Sinop em busca de uma vida melhor. O período que eu estive lá é o período que eu sei por relatos, de que essa família que trabalhava na lavoura, que tinha condições muito precárias de vida e vieram para Sinop em busca de um futuro com condições econômicas melhores de viver.

 

DE: E por que resolveram se mudar?

PG: Existia um boato, corria conversa que Sinop era um lugar promissor e que famílias vinham pra cá e conseguiam se estruturar, ter uma vida melhor. E foi com essa promessa que minha família veio para cá. E vieram várias pessoas da minha família, tios, tias... E aí minha mãe e meu pai tiveram a mesma decisão.

 

DE: E como foi o seu desenvolvimento em Sinop? Você estudou em escola pública?

PG: Sim, quando nós viemos, o meu pai foi trabalhar com madeira, porque aquela época era muito comum aqui, a minha mãe foi trabalhar como empregada doméstica, e eu fui estudar em uma escola pública que era bem próximo de onde a gente estava morando. A princípio a gente morava de favor na casa de uma tia. E ficava perto da escola que na época se chamava Osvaldo de Paula, que hoje é a escola CEJA. E lá foi uma das escolas que eu estudei. Teve um período também que eu estudei numa escola do sítio multisseriada, que era uma sala pra todo mundo e cada fila era uma turma ,2°,3°,4°,5° ano, e como depois a gente morava de aluguel, eu precisei mudar várias vezes de escola, que a gente ia pra outro lugar, ficava muito longe da escola, aí tinha que mudar de escola.

 

DE: Como eram as condições de vida naquela época?

PG: Eram bastante difíceis, minha mãe era empregada doméstica, meu pai trabalhava com madeira, mas era aquela família que não tinha formação tão boa em relação a gestão e também financeira, mas mesmo se tivessem, era uma família que sempre teve um recurso muito regrado, muito pequeno. Então eram condições muito difíceis mesmo, ao ponto, por exemplo de em determinado momento ter que morar em um sítio porque não tínhamos condições de pagar o aluguel, então trabalhava ali em troca do trabalho tinha o que produzia e o lugar para morar.

 

DE: De onde surgiu seu interesse por cursar pedagogia?

PG: Na verdade eu sempre gostei muito de lidar com pessoas, de conversar, de ensinar quando eu sei, de aprender também, então esse processo eu sempre gostei muito. Mas ser professora inicialmente não era meu sonho, porém das condições que eu vinha, com a expectativa de cursar o ensino superior, esse era o curso mais fácil de se ingressar, porque socialmente não é um curso tão valorizado, então as pessoas que procuram, geralmente são pessoas que tem um recurso econômico menor. Só que logo ao entrar eu me apaixonei pelo curso. É um curso muito amplo, a pedagogia e essa ideia de você lidar com as pessoas, de tentar contribuir com a formação delas é muito encantadora.

 

DE: Então você foi uma das primeiras pessoas da família a ter uma formação?

PG: Sim, a primeira pessoa a cursar uma graduação, a me formar no ensino superior. Depois vieram primos, um irmão, e o outro que está fazendo psicologia agora. Mas sou a primeira da família.

 

DE: E assim que você se formou já começou a dar aulas?

PG: Já, quando eu estava na faculdade eu tinha acabado de passar num concurso como auxiliar da professora, então eu já tinha esse contato com a docência e aí logo que eu terminei a graduação eu fui para o mestrado em Cáceres, e acabei sendo aprovada no ano seguinte para o mestrado. E lá eu já ministrei dando aulas em um presídio. Foi a primeira experiência como professora, que eu assumi a sala de aula como titular.

 

DE: E já naquela época você percebia as dificuldades na educação?

PG: Já, muitas. A educação pública tem muitas dificuldades que as vezes para a sociedade parece que elas estão só em ter um bom ou mau professor, mas na realidade não é isso. São dificuldades de estrutura, de recursos pra material pedagógico, dificuldade de reconhecimento da sociedade, das famílias que as vezes por não terem a participação que deveriam na educação dos filhos, as vezes não é nem por falta de vontade, os pais trabalham o dia inteiro e as vezes não dá conta de auxiliar, ou as vezes não tiveram nenhuma formação. Então a educação tem todas essas nuances, dessas questões negativas que influenciam no resultado final que a gente quer, a formação do aluno.

 

DE: E como foi para você, sendo aluna e vendo as dificuldades da escola pública e depois se tornando professora e vendo as mesmas dificuldades do seu período de estudante?

PG: É até ‘engraçado’ você passar pela situação e depois estar na condição de professora, porque muitas vezes que você está como aluno, você acha as vezes, que talvez faltou um pouquinho do professor. E essa mesma visão que é comum na sociedade. E depois você vê que tem uma série de coisas que influenciam, não é só o papel do professor. Que o próprio professor não tem a valorização necessária, hoje por exemplo o professor da rede municipal daqui de Sinop ganha um valor muito inferior ao professor da rede estadual que já não ganha muito bem também, então assim, ver isso, ser aluna de uma escola pública, e depois ser professora, faz com que a gente tenha vários lados da mesma situação, vários olhares, e isso é muito importante. Eu acho muito importante que quem trabalha na escola pública tenha vivência, ainda que não tenha estudado, mas se aproxime da escola para conhecer melhor.

 

DE: E você como educadora, depois como pesquisadora. Quais são as pautas da educação você acha que tem uma carência maior?

PG: Eu particularmente, pela minha vivência, pela dificuldade, por exemplo, eu comecei a trabalhar aos 12 anos, então a minha formação sempre foi muito prejudicada com isso, porque você ter que trabalhar, estudar, e dividir o tempo desde criança praticamente é muito difícil. Então as minhas pautas sempre passaram por essa questão, de como a educação vai se apresentar para o estudante de classe popular, para o estudante pobre no sentido econômico, o menos favorecido economicamente. Então as minhas pesquisas da graduação, da especialização e do mestrado, foram todas em relação a formação para o estudante de classe popular, e minhas lutas sempre estão nessas vertentes, de entender que o professor precisa da estrutura de qualidade, ele precisa que o aluno esteja alimentado, ele precisa que a família tenha uma boa estrutura, então a gente vai lutando por essas coisas, sabendo que não é fácil e que vai demorar muito pra gente ter um cenário quase ideal ou se aproxime disso. Mas são essas lutas em relação à estrutura, valorização do professor em relação à essas coisas.

 

DE: Você começou a trabalhar muito cedo, como era essa rotina?

PG: Hoje eu acho um absurdo total, mas é muito comum entre as famílias mais pobres. Com 12 anos eu já tinha que pousar na casa de estranhos, então eu cuidava de uma criança de manhã, no período da tarde eu ia para a escola, que era o período que essa família ficava em casa, podia cuidar, e a noite eu saia da escola e voltava direto para essa residência, que eu tinha que cuidar à noite porque na época esse casal era professor da Unemat. Eles iam dar aula e eu ficava com a criança, como eles voltavam já muito tarde eu tinha que pousar lá. Então eu passava de segunda a sábado na casa de pessoas estranhas e só depois eu ia para minha casa, ficar metade do sábado e o domingo. Essa vida, essa rotina, essa dificuldade financeira causa sequelas, a gente depois supera e consegue falar sobre, mas tem uma série de consequências para a criança. Tem um acumulo de ausência no tempo de formação, por exemplo, a criança que poderia estar fazendo um trabalho no contraturno da escola, ler um livro e não faz isso, vai acumulando na formação dela, na vida inteira.

 

DE: Assim como é difícil ver alunos de classes econômicas mais altas cursarem por exemplo pedagogia.

PG: Exatamente, aí tem um aspecto social que é fundamental, vou usar o aspecto da minha área específica, mas todos esses professores têm essa participação na formação das pessoas. Mas todo profissional, seja médico, advogado, qualquer profissional que a gente pensar, ele passa por um pedagogo, mas ele ganha infinitamente mais que um pedagogo. A valorização social dele é muito melhor, então eu acho que há esse erro na sociedade, de valorizar menos o professor do que deveria, infinitamente menos.

 

DE: Antes de se candidatar ao cargo de vereadora, você já participava ativamente das lutas pelo direito na educação. Esse foi um dos principais motivos para sua candidatura acontecer?

PG: Com certeza, na verdade eu nunca tive o sonho de ser vereadora. Sempre fui militante, sempre participei das lutas em prol da educação, em prol das minorias, antirracistas, contra a homofobia, sempre participei de todas essas lutas, mas sempre minha bandeira principal foi a educação. E o fato de ter em Sinop pouca representatividade, aí eu estou falando pelo relato das pessoas mesmo, dizem “Olha, nós não temos nenhum vereador que realmente nos representa, embora a gente tenha alguns que se dizem professores, mas não representam da forma que as pessoas gostariam”. Então começou essa discussão, “ah, nós precisamos de um nome”. E aí um não podia, outro não queria, outro não ia, e eu acabei aceitando. Já tinha tido outros convites outras vezes, mas eu recusei porque não era meu objetivo de vida, e agora eu deixo de lado por enquanto o projeto pessoal que é estudar para o meu doutorado, para poder assumir essa função, esse mandato, em prol de um projeto coletivo.

 

DE: Sinop, ainda é muito conservadora, muito tradicionalista, e isso também reflete na política local. Como é ser representante das minorias nessa região? Quais são as dificuldades?

PG: É muito difícil, muito difícil. Sinop é uma cidade que tem muitas pessoas, é claro que não é generalizar, mas tem muitas pessoas que são racistas – nós, qualquer um de nós as vezes têm comportamentos que a gente não espera, racista, homofóbico, machista, que é muito comum, mas Sinop tem uma característica que não é por maldade, mas é cultural. Muitas pessoas são racistas, machistas, homofóbicas, e isso é muito difícil de lidar, então tem coisas simples que a gente quer fazer e tem dificuldade, eu já falei aqui que a gente quer estabelecer o dia do orgulho LGBTQIA+ que é uma das nossas pautas e já um monte de gente olha torto, porque a cidade é conservadora. Então quando você tem essa função, você tem o desejo de apresentar essas pautas e você sabe que a maioria não será aprovada, pelo menos não com facilidade. Então vai ter que ter toda uma mobilização, por exemplo agora, nós acabamos de votar a composição do conselho do FUNDEB e tinham tirado o elemento de eleição para professor para representar esse conselho, então você indica quem quiser, e não funciona assim. Porque você vai mexer com dinheiro da educação, tem que ser alguém que esteja engajado, que tem publicamente uma conduta ética. Então são lutas difíceis, você tem que usar o argumento, pedir apoio popular para a aprovação. Não é simples.

 

DE: Como é ser a única mulher eleita no legislativo, e defender as pautas das minorias?

PG: É assustador, várias pessoas perguntavam durante a campanha, “Quantos votos você acha que vai fazer?” Ou as pessoas do nosso grupo perguntavam “Quantos votos você acha que nós vamos fazer?”, e eu achava assim, gente se fizer 300 é muito, porque é muita gente. E aí quando a gente viu, tivemos essa diversidade, então tinha professores, tinha pessoas da comunidade LGBT, tinha pessoas da luta antirracista, então um pouquinho de cada coisa, de cada pauta, e foi somando pra isso, e aí pra mim, pra todo mundo, a quantidade de votos foi uma surpresa mesmo. E aí a gente viu que tinha vários grupos aqui que não estavam se sentindo representados.

 

DE: E agora logo no começo do mandato, quais são os desafios que vocês têm enfrentado nesses três primeiros meses?

PG: Para nós tudo é novo, é o desafio de eu conseguir – apesar de já acompanhar o legislativo, saber a função e tudo mais – mas de eu conseguir me adaptar a essa função, a todos os protocolos da casa, as formas de apresentar projeto, fazer as discussões. É também o desafio para quem está comigo, porque a gente fez a opção de pegar pessoas que não estão há muito tempo na política, mas sim pessoas que estivessem interessadas em uma nova política para Sinop, então foram essas pessoas que vieram, e elas também não tem essa experiência vasta política, por isso está todo mundo aprendendo aqui. Então esse é um dos principais desafios, e o fato de que muitas coisas que a gente traz pra dialogar aqui a maioria é contrária, eles são de outra visão e a democracia é isso, eles são maioria, então a gente tem dificuldade disso, trazer algumas pautas que são dificuldade que são caras pra nós.

 

DE: Por que você acha só existe você de mulher na Câmara? E por quê é tão difícil ter mulheres na política?

PG: Eu acho que foi um grande retrocesso pra Sinop, porque tinham duas, e agora só uma, é um grande retrocesso, eu fiquei muito triste com isso. Mas eu tenho muita convicção que isso se dá porque a mulher ela ocupa muitos papéis. É a mulher que dá conta dos serviços domésticos, de administrar o lar, ainda que ela tenha que pagar uma empregada, se fosse o caso, não é o meu caso, mas se fosse também é a mulher que coordena isso, a mulher muitas vezes trabalha fora, ela que acompanha quando o filho tá doente, ela acompanha o filho na escola, então são muitas funções para uma pessoa. Você tem que se impor e muitas mulheres recuam, e eu vou te falar que é mais fácil recuar, é muito difícil mesmo, muito pesado, então eu acho que a maioria das mulheres não estão por falta de empatia, as vezes de até mulheres mesmo que não acolhem a outra mulher na política, e principalmente por causa dos homens. Volto a dizer que não é sempre intencional, mas é porque está impregnando essa cultura machista. E as vezes é intencional também.

 

DE: Qual a sua visão pra daqui uns anos, qual seria a Sinop ideal que você gostaria que existisse?

PG: Eu nem sou muito audaciosa, nós tivemos um tempo que em Sinop e outros municípios do país, nos estados, era muito comum ter conferência da juventude, conferência da cultura, conferência LGBT, conferência da educação, e tinha começado uma cultura de participação popular. O meu sonho, a médio prazo digamos assim, é que Sinop volte a ter esse movimento, porque a gente estava começando isso e tudo pra Sinop quando é essa questão de ser democrático e discutir diferenças, é um pouco mais difícil. Para Sinop, Lucas, Sorriso... Essa região tem essa característica, Mato Grosso em si é muito conservador. Esse é o meu sonho maior, que Sinop seja mais participativa, os sinopenses em relação às políticas que influenciam na vida deles, porque aí a gente vai ter outro movimento, aí eles vão pautar as discussões, aí eles vão ter mais representantes, nós teremos.

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