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A arte de procrastinar
07 de Novembro de 2024 as 05h 45min

Procrastinar é deixar para depois; em outras palavras, é a arte da enrolação. Procrastinar é um vício perigoso. Entrego o texto para o jornal às 16h.
Às 15h05, abro a caixa de e-mail; depois, no Facebook, comento a foto de um ano de casamento do meu amigo. Bem sabe quem é estudante, no último minuto do segundo tempo.
Enquanto o Word em branco aguarda apenas a primeira frase, eu divago sem culpa pelo YouTube, buscando qualquer coisa que não tenha a ver com o meu texto, como, por exemplo, quem foram os ganhadores do Prêmio Nobel; o dueto de Tony Bennett e Amy Winehouse em "Body and Soul"; ou Maria Bethânia cantando ao vivo "Non Je ne Regrette Rien", de Edith Piaf.
O meu amigo, Joel Pinheiro da Fonseca, colunista, procrastinou semanas para escrever um pequeno comentário para o meu livro. Não duvido que Laurentino Gomes tenha feito a mesma coisa durante a pesquisa de 1822.
Sérgio Lazzarini deve ter se embromado muito ao reler colunas para a Veja, e Oscar Pilagallo adiou uma dúzia de matérias não concluídas na BBC de Londres. A procrastinação é filha do diabo, o ócio é a passagem direta para o fracasso.
Para fugir do Word em branco, tomo café, abro a gaveta, atendo ao telefone, mando uma mensagem de voz no grupo da família para parabenizar o hamster da minha prima, que está fazendo um ano de vida.
Olho o relógio: faltam cinquenta minutos para entregar a matéria ao editor. Jogar bolinha de pingue-pongue é mais interessante que qualquer pilha de documentos protocolados em cima da sua mesa de trabalho na sexta-feira.
Há momentos em que se confunde prioridade com procrastinação, como buscar uma cerveja que está trincando no fundo do freezer. Não necessariamente é procrastinar. Pechinchar pela Avenida Júlio Campos no período da tarde também não é procrastinar.
Assim como aceitar o convite para transar numa manhã de segunda-feira no sofá, depois de levar as crianças à escola, também não considero procrastinar; é ostentar.
Agora, levantar do lugar para matar uma barata no canto do banheiro, porque sua mulher está aos berros, sem dúvidas, é o cúmulo da procrastinação.
Os brasileiros são procrastinadores. No Brasil, se procrastina sem dó e piedade; veja: o governo, de quatro em quatro anos, já virou expert quando se trata do assunto.
Do Collor ao julgamento do atual presidente Lula, pouco se fez de fato para o Brasil, mas pelo menos saímos da inércia, rumo ao combate desse mal que contagia boa parte da sociedade.
Fonte: KERLEY CARVALHEDO É ESCRITOR, CRONISTA, FILÓSOFO
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