ARTIGO : Crônicas de uma pandemia:

garrafada

31 de Maio de 2020 as 10h 00min

Robson Júnior, esperto, carismático e elegante, com um negócio em ascensão, dono de um apartamento agradável e moderno, combinando elementos de decoração retrô que dão um ar nostálgico ao ambiente, parecia reunir as características do cara legal. Sabe, aquele amigo que todos gostaríamos de ter. Já vivera quase 30 anos de boa vida, com poucos aborrecimentos e tristezas, um bon-vivant, solteirão convicto, sempre em busca de novas conquistas e aventuras amorosas.

Dono de uma agência de marketing e propaganda, a criatividade era sua maior qualidade profissional, sendo referência no seu ramo na região. Muito dessa força criadora ele atribui à determinação e persistência, e principalmente, sua força criadora à sua libido. Dono de poderoso apetite sexual, uma energia que precisa sempre ser gasta e renovada, para isso malhava, era vaidoso, sempre charmoso, e tinha uma lábia fatal.

Mas veio a pandemia de Covid-19 e, com ela, o isolamento social. Sua vida sexual estagnou, buscou na sua agenda parceiras e casos antigos, suas fiéis amigas. Havia as casadas, algumas enroladas e muitas solteiras, mas só recebia respostas negativas, pois o número de contágios era alto em cidade, gerando pânico do contágio. Mas com certa insistência e persuasão, marcou um encontro com a tímida Camilla, mulher contida e quieta, porém dona de desejos mil.

Preparou o apê com velas aromáticas, música romântica e bombons. Chegaram perto das 22h. Beijos, abraços e carícias trocadas, e na hora “H”, broxou. A bela corou de nervosa, vestiu as roupas e foi-se, Robson ficou mudo olhando para a cama vazia e remoendo seu fracasso. Não dormiu o resto da noite, tentou ligar para Camilla, mas só dava caixa-postal, vestiu-se e foi para a farmácia mais próxima, porém não havia o remédio para ereção, estava em falta em todas as farmácias, pois com a maioria das pessoas em casa a procura foi grande.

Desesperado, pois nunca havia falhado, procurou Nonato, o faz-tudo do seu condomínio, homem velho, mas forte e experiente, um paraense cabra macho, como se diz em sua terra. Contou todo o caso, Nonato filosofando disse: “o medo do homem surge quando pela primeira vez ele não consegue dar a segunda e o pavor quando pela segunda vez ele não consegue dar à primeira”. Tremendo de pavor e medo, Robson chorou, o paraense comovido disse que tinha uma solução, uma garrafada.

Para quem não conhece, garrafada não é golpear alguém com uma garrafa, mas um preparado de raízes, ervas e bebidas alcoólicas para impotência sexual, emagrecer, curar calvície, ou seja, para cada mal, há uma garrafada diferente, a receita afrodisíaca de Nonato é: cipó bravo, catuaba, marapuama, nó-de-cachorro, damiana e cachaça pura de alambique.

Robson dormiu naquela noite o sono dos justos, de manhã Nonato lhe entregou a garrafada, e conseguiu falar com Camilla, que entendeu o estresse causado pela pandemia, e combinou para se verem meia-noite em ponto. Nas horas que se seguiram, tomou uma dose do afrodisíaco. Nonato lhe advertiu para tomar pouco, pois a garrafada levantava até defunto, e como tinha algumas horas até Camilla chegar, foi bebendo e bebendo.

Acordou apenas na meia-noite do outro dia, se deparou com um jegue na sala, e mais uns 10 estranhos, entre homens e mulheres espalhados pelos cômodos, só se lembrava de flashes do que havia acontecido. Olhou-se no espelho, e para seu espanto estava vestido de noiva. Todo o apê estava destruído, viu seu Nonato, um anão e Camilla dormindo na sua cama, sentou-se no sofá com as mãos no rosto, e aos olhos do jegue, chorou desesperadamente.

Diz o ditado: “Um homem não é infeliz porque tem desejos, mas porque eles o devoram”.

EDUARDO FACIROLLI É FILÓSOFO

OLHO:

Para quem não conhece, garrafada não é golpear alguém com uma garrafa, mas um preparado de raízes, ervas e bebidas alcoólicas para impotência sexual, emagrecer, curar calvície